- Projeto Tatiane Spitzner
Aprendendo a construir relacionamentos saudáveis | Artigo
20 de julho de 2020Este texto faz parte da campanha ‘respeito é a base da transformação’, lançada pela Subseção no início de julho com o propósito de trazer reflexões para os profissionais sobre temas que permeiam o dia a dia de todos.
Freud, quando desenvolveu a psicanálise, deu destaque especial aos Mecanismos de Defesa, que costumamos utilizar com frequência para não nos permitirmos entrar em contato com a nossa sombra, o lado que escondemos de nós, porque não gostamos de nos confrontar com seus conteúdos. Um desses mecanismos é a projeção. A minha tendência de jogar no outro aquilo que me pertence e que eu não gosto: como não gosto de sentir em mim, eu jogo em você porque é mais fácil para meu ego lidar.
Você já deve ter se deparado com uma situação em que você vê uma pessoa e antipatiza com ela do nada! Certamente é um espelho que chegou de repente a sua frente. Essa projeção, eu preciso trazer de volta para mim, porque eu não posso mudar meu irmão, meu pai, minha esposa ou esposo, o chefe, o amigo. Só posso mudar a mim mesmo se assim o quiser. E para fazer isso, preciso ter consciência de que parte do que estou projetando no outro precisa retornar até mim.
Vou contar um causo que acontece comigo! Eu procuro, de uns anos para cá, processar constantemente essa mudança em mim, mas meu “dinossauro interior”, que procuro manter sob controle, às vezes escapa.
Certa vez, estava eu namorando um vestido, muito bonito e bem caro, que naquele momento não podia comprar. Eis que na saída do supermercado, encontrei com uma colega, trajando o vestido que eu tanto queria. Na hora em que fomos nos cumprimentar, foi muito impactante para mim ter que dizer a ela: “Nossa, que bom que ficou esse vestido em você!” enquanto interiormente senti uma vontade imensa de arrancá-lo dela. E o questionamento que não quis calar na hora: “Por que eu não posso e ela pode?”.
Tomei plena consciência da minha “persona” no meu ser de hipocrisia, porque na verdade eu não queria que ela estivesse com ele, eu queria que fosse meu. Esse era meu lado infantil, da inveja se manifestando, acometida do que costumo chamar de um sequestro emocional. E o pior, estado este que me levou a fazer contas, a pensar o que e como fazer para poder comprar o vestido. Até que por fim, um ou dois dias depois cheguei à conclusão de que poderia comprá-lo, porém, meu orçamento ficaria bem apertado por três meses; aí, como que do nada, me lembrei do: “Quero? Posso? É adequado?” E decidi que não o compraria. Fiz uma prece, pedi perdão pela minha maldade, agradeci meu momento de luz e desejei de coração que não acontecesse nada com o vestido de minha colega. Um surto de paz tomou conta de mim. Descobri que sou invejosa, e consequentemente, agora tenho condições de trabalhar em mim este sentimento.
Vivemos agora uma pandemia. Temos tempo sobrando para que tudo o que estávamos escondendo esteja vindo à tona. O que é uma grande oportunidade de analisar com calma e compassadamente toda a nossa existência.
Percebi também que eu poderia ter entrado num processo de autopunição, desqualificação e sentimento de culpa, porém aceitar que sou assim, igual aos outros, me fez tomar consciência de que não quero ser assim, não gostei e me fez decidir por me auto-observar, manter-me vigilante e buscar o equilíbrio sem sofrimento, com paz.
Essa experiencia me ajudou a desencadear outras análises e outras tomadas de decisão bem mais adequadas. Nessa dinâmica descobri que posso ser coerente.
Todas as forças da alma são forças quando elas não são conhecidas e são negligenciadas, tornam-se defeitos e podem nos prejudicar; quando conhecidas, me permitem mudar seu direcionamento, melhorando, o que Jung chamou de Processo de Individuação. Autoconhecer-se não é um processo linear. Não é preciso parar de viver, se isolar na Cordilheira do Himalaia para meditar com um monge budista. Precisamos, sim, fazer isso durante nosso dia a dia, na convivência com as pessoas, o que torna o processo rico, aprendendo com o outro a construir relacionamentos mais saudáveis.
Susana Raurich
Coach Psicoterapeuta