Confira o discurso da presidente da OAB PR, Marilena Winter, no Seminário Violência Política de Gênero
03 de maio de 2024
Marilena Winter, presidente da OAB Paraná (Foto: Robson Mafra/Semipi)
A presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, discursou na OAB Guarapuava durante a realização do terceiro Seminário Violência Política de Gênero: precisamos falar sobre isso.
Confira a íntegra abaixo:
“Excelentíssima presidente da OAB Guarapuava, Maria Cecília Saldanha, em sua pessoa saúdo toda a advocacia guarapuavana, em especial as valorosas mulheres advogadas dessa cidade, com seu relevante histórico de atuação. Saúdo o desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, presidente do TRE e na sua pessoa a cúpula do tribunal e os magistrados presentes.
É animador também visualizar tantas mulheres que são importantes lideranças em nosso estado e que hoje se unem neste evento: Secretária da Mulher, Deputada Leandre; Magistrada Flávia da Costa Viana; desembargadora Ana Lúcia Lourenço; professora Doutora Eneida Desiree Salgado; deputada Cristina Silvestre; e secretária Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, Aline Remes de Camargo.
Há muitas pautas relacionadas aos direitos das mulheres na sociedade que poderiam ser tratados num encontro como este. Seria muito bom falarmos do mercado de trabalho, da distribuição de renda, do compartilhamento de tarefas em casa – ou da falta dele. Poderíamos falar do potencial intelectual, científico e artístico de tantas mulheres. Poderíamos estar discutindo políticas públicas, poderíamos estar simplesmente exercendo nossos direitos iguais em igualdade de condições e tratando de resultados ótimos decorrentes de propostas feitas por mulheres com participação política, discutindo ciência, soluções para os problemas do mundo contemporâneo. Seria ótimo! Sinceramente, eu preferiria muito essa abordagem.
Mas há, na antessala dessas questões, um problema urgente. Não podemos – ainda – falar sobre os resultados dos trabalhos das mulheres porque ainda temos muito o que fazer a respeito da sobrevivência das mulheres. Sim, ainda precisamos falar do direito básico e fundamental de existir – seja literalmente, seja socialmente, e mais especificamente neste encontro – politicamente, com dignidade e na plenitude da igualdade prevista na Constituição.
Sem dignidade não há possibilidade de trabalho, de desenvolvimento saudável no âmbito do lar e da família, nem de exercício dos direitos políticos e da cidadania. Tragicamente, em nossa sociedade muitas mulheres ainda vivem como viviam os homens das cavernas – tendo que lutar para se manterem vivas. Num cenário desses, não há energia ou forças para desenvolverem seus potenciais intelectuais artísticos, políticos ou científicos.
Se formos coniventes ou omissos com a violência, acabaremos por contribuir com um contexto desigual que a perpetua. Quando falhamos em proteger uma mulher contra a violência, estamos deixando todas as mulheres mais vulneráveis. São muitas, e às vezes sutis, as formas de violência
A 10ª edição da pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada pelo DataSenado, mostra que 30% das mulheres do país já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Dessas mulheres que vivenciaram situações de violência, 76% sofreram agressões físicas.
As vítimas de baixa renda são as que mais sofrem violência física. Entre as mulheres assassinadas, as negras são maioria. Elas representam 62% das vítimas de feminicídio segundo dados da Anistia Internacional. Porém, não se pode estereotipar as vítimas. Mulheres em diferentes realidades e contextos têm sido vítimas violência. Infelizmente, muitas dessas são minhas colegas advogadas. Na OAB Paraná, a Caixa de Assistência dos Advogados, implementou um auxílio especial para as advogadas vítimas de violência, para que possam se reerguer com apoio da advocacia. Também implementamos, inspirados no TRE Paraná, a Ouvidoria da Mulher Advogada, e temos tido bastante trabalho.
E quando olhamos para o cenário político, percebemos a simetria dos dados. Assim como no ambiente doméstico cerca de 1/3 das mulheres é vítima de violência, no espaço público uma parcela equivalente sofre discriminação.
As dinâmicas não são separadas. Não é coincidência. Nossa luta por equidade no espaço público reverbera no ambiente privado. Ao mesmo tempo, não podemos nos resignar a olhar somente para esses espaços onde, em geral, circulam mulheres que já tiveram algum nível de instrução e de oportunidades. Temos de lembrar das mulheres pretas e pobres e ter a consciência de que o ciclo de violência doméstica impacta seus filhos, seus futuros e as comunidades onde vivem. E a violência política de gênero impacta a todos e em especial, viola a própria democracia. Este pensamento não é meu, tomei emprestado de um texto disponível na própria página da Câmara dos Deputados. A maior vítima é a democracia.
O estudo Violência contra as Mulheres em Dados, do Instituto Patricia Galvão, mostra que 32% das mulheres já foram discriminadas no ambiente político por conta do seu gênero.
Por essas razões assinei em nome da OAB Paraná o Protocolo de Intenções para Formalização de Acordo para Cooperação Técnica entre instituições do sistema de justiça com a finalidade de incentivar a participação política das mulheres, o lançamento de candidaturas femininas, e combater a violência política de gênero. E aqui estamos, nos unindo a esta caravana pelo Estado para falarmos, ouvirmos e aprendermos sobre o tema.
As violências se manifestam de múltiplas formas e é relevante que falemos abertamente sobre isso. É preciso saber identificar a violência, pois há uma cultura parece ter normalizado certas práticas discriminatórias, a ponto de as próprias vítimas não conseguirem identificar os abusos, chamando para si a culpa (é, isso mesmo, culpa pelos eventos violentos). A violência política de gênero pode se manifestar na forma explícita de ameaças, de violação da intimidade com exposições públicas em redes sociais de fotos, mensagens e em tempos de inteligência artificial, também de notícias falsas, deepfakes, ataques às páginas pessoais. Mas também de forma insidiosa, diária e sutil, a ponto de que muitas mulheres não percebem estarem sendo submetidas a violência. São muitas as artimanhas e os obstáculos criados para impedir ou tentar restringir os direitos políticos das mulheres e consequentemente o avanço feminino na conquista dos espaços em igualdade de condições.
Exemplos, são inúmeros. Um método comum é o desqualificar as mulheres, levando-as a crer que não estão aptas para as funções. Ou a depreciação com expressões como “muito braba”, “difícil”, “autoritária” em situações que – em se tratando de um homem, são admiradas como proatividade, liderança, segurança. Cerceamento da palavra, mansplaning – o habito de explicar o que a mulher “quis dizer”. A interrupção. A ignorância – numa reunião onde há homens e mulheres, ainda que a mulher seja a interlocutora, o olhar é sempre e invariavelmente dirigido aos homens presentes, como forma de ignorar a sua presença. A difamação, ofendendo a dignidade e a honra. E objetivamente o desvio de recursos que deveriam ser designados às candidaturas femininas.
Temos visto também a crescente perseguição das mulheres por meio do chamado “lawfare de gênero, ” utilização recursos jurídicos com o intuito de manipulação, emprego de processos com aparência de legalidade por se tratar do exercício de um direito de ação, mas que na realidade incluem acusações falsas, divulgação de informações pessoais difamatórias, práticas pseudo jurídicas com o intuito de intimidar e enfraquecer as mulheres que se apresentam nos espaços políticos, ou utilização da mídia e redes sociais para essa finalidade. Trata-se de uma prática predatória e lamentavelmente recorrente contra as mulheres na vida profissional em geral, e na vida política em especial.
É doloroso, porém necessário nos lembrarmos, em especial aqui em Guarapuava, de Tatiane Spitzner. Uma história que conhecemos de perto, de uma jovem cheia de sonhos e planos, que morreu muito prematuramente vítima da violência doméstica. Mas, pela atuação de sua família e de seus colegas e amigos, seu nome não lembra somente a violência que sofreu, mas sim o necessário enfrentamento a essa violência e que não podemos mais aceitar que mulheres, jovens ou experientes, independentemente da profissão ou classe social tenham suas vidas aviltadas pela estupidez e pela violência.
Ainda precisamos falar muito sobre isso. E lembrar que toda vez que nós deixamos de escolher uma mulher para ocupar um espaço na sociedade, seja pelo voto, para o executivo ou legislativo, seja pela promoção ou indicação para ocupar lugares elevados também no Judiciário ou nas vagas de emprego e de promoção, nós estamos contribuindo para atrasos seculares na luta pelos direitos das mulheres. Como bem alertou Antonio Guterres, se as coisas seguirem nesse ritmo, levaremos 300 anos para atingir a igualdade entre homens e mulheres.
Não é fácil para nós como mulheres. Gostaríamos certamente de estar tratando de nossos temas de interesse profissionais ou de tantos outros temas interessantes da vida. Mas enquanto somos confrontadas com essa realidade, falemos disso.
Que possamos seguir com firmeza, mas também com leveza, sem jamais perder a esperança.
Para que assim possamos chegar a ter, como disse Cecília Meireles,
“Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.”