Advogado fala sobre relação entre advocacia e a LGBTFobia
28 de junho de 2019Neste 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, a diretoria da OAB Guarapuava convidou o advogado Rudy Heitor Rosas para expor uma reflexão sobre a advocacia e a LGBTFobia e, assim, estende o convite para que todos os advogados e advogadas reflitam sobre o tema. A cada dia, a causa LGBTI+ ganha mais espaço nas pautas da Ordem, por isso, abordar o tema é fundamental.
“Recentemente o Conselho Pleno da OAB Nacional decidiu que agressores de pessoas LGBTI+ não poderão integrar os quadros da Ordem. A decisão seguiu o padrão de deliberações anteriores sobre agressores de mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental, constantes das Súmulas n. 9 e 10/2019”, explica a presidente da OAB Guarapuava, Maria Cecília Saldanha.
Abaixo, confira a reflexão do professor Rudy.
“Quando vi um debate sobre o uso equivocado do termo fobia, abri meus olhos para uma discussão que, sem saber naquele ponto, transpassaria minha carreira (acadêmica) em diversas situações e me colocaria, ainda que sem lugar de fala, numa situação interessante. Naquela oportunidade, discutia-se que as pessoas têm raiva e não fobia do dito LGBT. Talvez, antes mesmo de continuar, vale a pena uma ressalva: devemos parar de falar que a pessoa é LGBT, pois ela não consegue ao mesmo tempo ser Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual, ela é uma pessoa e ponto.
Voltando para a questão raiva X fobia, eu demorei um tempo para deglutir aquela fala. Fiquei pensando que raiva é um sentimento que demanda juízo de valor e que, só podemos realizar uma avaliação (juízo) daquilo ou de quem de fato conhecemos. Não consigo ter raiva de uma pessoa ou de algo que não desvendei minimamente. Em movimento contrário, pensei que consigo sim ter medo do desconhecido, às vezes até chego ao ponto de superlativar o meu medo. Amplio tanto o pavor que chego ao ponto de evitar qualquer contato com aquilo, e assim começa um ciclo vicioso em que o meu completo distanciamento por medo, faz meu medo aumentar. Nisso lembrei que existe o mito, que dentre várias funções, serve para explicar o inexplicável (ou pelo menos aparentemente inexplicável) e, quando cria uma “racionalização” sobre o objeto, reduz o medo que sentimos dele.
Imagino que seja do medo (fobia) e da completa falta de compreensão sobre gays, lésbicas, bi e trans que houve um distanciamento, desse distanciamento o medo se ampliou e se tornou aversão, que foram reforçados por estereótipos (mistificações) equivocados. O movimento social que começa a surgir a partir da segunda onda dos estudos feministas pretende quebrar esses mitos, mostrar que não há nenhum monstro nessa história, pelo contrário, que esses mitos adquiriram tamanha força que chegaram a “gerar verdades”, que legitimaram violências extremas e irracionais.
Assim, para tentar entender um pouco mais sobre esses conteúdos, vale a pena começar pelo começo: não é opção sexual, é orientação sexual; não existe (somente) sexo, há também que se compreender o gênero.
Sexo é uma característica biológica – à presença de pênis chamamos de masculino e à vagina de feminino.
Gênero é uma construção da identidade própria (por isso chamar de “identidade de gênero”) – isso quer dizer que a pessoa passa, através de suas experiências, a reconhecer seu gênero. Se há uma correlação entre o sexo biológico e a identidade, diz-se que essa pessoa é cisgênero; já quando a pessoa não se identifica com o sexo biológico, ou seja, há um descompasso entre sexo e gênero, chama-se transgênero. (Após o surgimento das Teorias Queer essas “categorias” passam a ser discutidas, mas isso interessa para um momento posterior e mais avançado de estudos de gênero).
Usa-se orientação sexual e não opção sexual porque os desejos são orientados em determinado sentido e não escolhidos. A noção de escolha faz surgir aqueles frases do tipo “depois de velho resolveu ser gay”. Isso é completamente errado! Essa pessoa teve a vida inteira a sua orientação sexual como homossexual, tendo provavelmente reprimido seu desejo por conta da força do mito, já que ele [o mito] estava convertido em realidade. As orientações mais conhecidas são heterossexual, homossexual, bissexual e assexual, este último que não tem desejo por qualquer pessoa.
O momento por que estamos passando é de abertura, mas que, como toda força, encontra resistência. É como a alegoria da caverna de Platão. Com mais conhecimento nós saímos das sombras da caverna e passamos a enxergar o mundo real, não o projetado, porém, ainda se corre o risco de ser combatido quando se retorna para contar que a realidade é completamente diferente do que foi projetado por muitos anos.
Nesse mês de junho a OAB Federal reconheceu a importância da temática, proibindo a inscrição de bacharéis LGBTfóbicos, por ausência de idoneidade moral. Logicamente a medida causou polêmica, pois está dentro das diversas questões polarizadas da atualidade. Em linguagem jurídica o que a OAB fez foi conceder uma pequena “indenização” por uma dívida histórica, pagou de forma simbólica pela perseguição e violências cometidas historicamente. Para entender isso é só parar e se perguntar: “quantas pessoas eu tomei conhecimento que foram mortas, segregadas, sofreram bullying, etc, por serem heterossexuais?” Não violência cometida contra hétero, mas pelo simples fato de ser hétero. Faça a mesma pergunta em relação a gays, lésbicas, etc. Você deve ter percebido que as respostas foram diferentes. Não precisa contar para ninguém, a conscientização precisa primeiro ser própria.
Concluí depois de um tempo que o termo fobia é o melhor empregado, porque o que percebemos é um medo, uma aversão crescente, motivada exclusivamente pela falta de conhecimento, pela falta de abertura e de diálogo.
Por fim, como advogados e advogadas, somos o tempo inteiro expostos e expostas aos princípios jurídicos e defendemos a vida como o principal bem. Se ela está ameaçada, nós a defendemos, não porque a pessoa é cis e hétera, mas porque ela é pessoa, e nada mais”.